“Mercados só se desenvolvem quando as pessoas dão a cara a tapa”

UX Mania
7 min readMar 1, 2021

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Bruno Rodrigues — Foto: divulgação.

O carioca Bruno Rodrigues se destaca quando se fala em UX Writing e ferramentas da caixa de redação técnica digital. Autor do primeiro livro do Brasil voltado à área, “Em Busca de Boas Práticas de UX Writing”, Bruno começou quando a Internet “era mato”. Na real, antes mesmo da Internet nascer, ele estava lá e acompanha a evolução da “escadinha da comunicação digital” há mais de duas décadas— desde o Webwriting até agora.

Formado em Publicidade em 1988, Bruno passou longos anos trabalhando para a Petrobras, dai veio uma carreira bem-sucedida de consultoria e treinamento em empresas, palestras, cursos, uma pioneira coluna sobre Webwriting e 3 livros dedicados ao tema: “Webwriting — Pensando o texto para a mídia digital” (2000), “Webwriting — Redação & informação para a web” (2006) e “Webwriting — Redação para a mídia digital” (2014).

Quem diria que o menino de 17 anos que tinha descoberto uma peculiar afinidade entre Comunicação Social e Informática nos tensos e analógicos anos 80— resultado de um teste vocacional — seria um dos baluartes das mídias digitais do século 21?

A conversa é longa, e por isso, em tempos de “short contents” da vida, a entrevista teve que ser dividida em duas. A primeira parte aborda a “pré-história” de tudo o que vemos hoje e a vivência do Bruno. E também discorre sobre a comunidade UX Writer — a importância do engajamento das pessoas para o fortalecimento desse mercado. Ou seja, o dar a “cara a tapa”.

Você acompanhou toda a “escadinha da comunicação digital”. Me conte sua história, desde os anos pré-internet até o começo dos anos 2000 e a fase pré-UX Writing.

Vamos voltar para 1995 (risos). Eu sempre fiquei frustrado com diretor de criação de agência e chefe de empresa, em comunicação empresarial, porque quando o texto tava bom ou ruim eu perguntava o motivo e recebia respostas muito subjetivas. Aí surgiu a Internet em 95 e eu participei de um grupo de discussão da Yahoo sobre Webwriting (não existia o termo, era sobre “escrever para Internet”).

Em 1996, eu peguei um freela para uma assessoria de imprensa de um provedor de Internet, numa época que a maioria das empresas não tinham nem site. Eu e minha esposa começamos a fazer a parte escrita desses sites que estavam nascendo. E acabei sendo contratado como terceirizado pela Petrobras para um projeto de alguns meses. Acabei ficando por lá 19 anos e meio.

Dois anos depois, eu já tinha muito texto acumulado sobre Webwriting, daí pensei: “cara eu queria escrever uma coluna”. Eu era fã de um site chamado WebWorld (do grupo IDG). Mandei um email para o editor Vicente Tardin sugerindo uma coluna de Webwriting. Ele aceitou a proposta e eu estreei a primeira coluna de Webwriting do mundo.

Em 2000, tive a ideia de fazer um livro com o material acumulado da coluna e mandei um email para um leitor da coluna que trabalhava na Editora Siciliano (atual Saraiva). Eu não sabia nem o cargo dele, mas na “cagada” descobri que ele era o cara que avaliava os originais de livros. Sorte e cara de pau — a mesma coisa que aconteceu com o Vicente.

O livro “Webwriting — Pensando o texto para a mídia digital” é o primeiro em língua portuguesa e o terceiro no mundo sobre redação para mídia digital (o primeiro foi o “Writing for the Web”, do Crawford Killian, de 1998). Em 2001, fui citado no verbete ‘webwriting’ da segunda edição do ‘Dicionário de Comunicação’. De lá para cá, foram muitos cursos e treinamentos, e lancei mais dois livros de Webwriting.

Comunidade: Imagem — Gerd Altmann / Pixabay

A comunidade de UX Writing brasileira é muito forte e completa 3 anos de atividades. Como você vê esse senso de grupo, pertencimento, compartilhamento e colaboração dessa área?

Eu acho essa troca fundamental. O Águino Oliveira e a Cris Luckner com certeza já estão na história do UX Writing no Brasil, por terem criado o primeiro grupo (essa lista completa 3 anos de atividades). Depois veio o grupo do João Pedro Alcântara e vem surgindo outros.

Uma coisa que acontece muito bem nas duas listas é essa troca saudável. Não existe uma proposta de cancelamento e todo mundo consegue ter voz. Não fica aquela cobrança: “vai, participa”. As pessoas participam quando querem, quando podem, trocam quando tem coisa para trocar.

Esse movimento de comunidade está mais maduro, não está mais no ponto zero de tipo “apenas reunir pessoas para conversar sobre o assunto”. O UX Writing cresce muito dentro das comunidades.

Claro que todo grupo tem os seus problemas. Por exemplo, têm alunos meus que participam das listas e ficam assustados porque falam demais em ferramenta. E eu digo: “são só ferramentas que você conseguindo um emprego tem a capacidade de entender rapidinho como usa”. Porque de repente começa a falar de Miro, de Figma, e a pessoa se assusta (risos).

Você é uma das maiores referências de UX Writing do Brasil. Como você se vê sendo um exemplo para as novas gerações? Você fez um trabalho bonito de mentoria com a Camila Gaidarji. Me fala um pouco sobre isso também.

Eu fico feliz da vida por todo esse reconhecimento, mas tenho dois comentários sobre isso. Eu me formei em 1988 e na virada para os anos 90 eu não tive muita ajuda de pessoas mais velhas. Então, desde que eu me estabeleci na área eu assumi um compromisso de ajudar gente mais nova. É não é uma coisa de “se aparecer eu ajudo”, eu vou atrás mesmo. É o caso da Camila e de tantas pessoas que eu consegui ajudar com conhecimento, dica, mentoria, arrumando emprego.

O segundo ponto é algo que eu percebo em Comunicação e como desdobramento em UX Writing. Tem um conjunto determinado de pessoas que escreve livros e textos, dão palestras, cursos e treinamentos. E é um grupo muito pequeno em relação a uma comunidade muito grande. E é o que sempre digo: há muita plateia para pouco palco.

Esse é um apelo que eu sempre faço, para as pessoas — escrevam, deem palestras.

Porque senão a gente acaba “cobrando” das pessoas que já estão no palco. Cobrando que elas escrevam mais livros, façam mais cursos, deem mais palestras. Enquanto as pessoas que estão assistindo acumulam conhecimento e não compartilham.de uma maneira mais constante.

Qual a importância de se criar conteúdo autoral? como “sair da arquibancada e entrar em campo”?

Você tem que dar a cara a tapa. É aquela história. Sim, as pessoas vão te criticar, te dissecar e questionar. Tem que ter disposição para fazer isso. Existem mil maneiras de você criar conteúdo autoral.

Mercados só se desenvolvem quando as pessoas dão a cara a tapa, colocam ideias diferentes, visões diversas. É isso que enriquece o mercado.

À medida que o número de pessoas aumenta no palco, os outros (profissionais e empresas) notam que tudo isso não fica reduzido a um grupo pequeno de pessoas.

Me fale sobre o livro “Em Busca de Boas Práticas de UX Writing”. Como pintou a ideia de escrever uma obra como essa?

O livro foi meu trabalho final de mestrado, de Criação e Produção de Conteúdos Digitais, feito na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), entre 2017 e 2019. A minha orientadora, Cristina Rego Monteiro, sabia que eu já tinha escrito três livros (todos de Webwriting) me sugeriu a ideia e eu gostei.

O livro saiu em e-book porque foi um acerto meu com a banca de mestrado. Como era um mestrado profissional, eu tive que fazer um produto (exigência da banca) e fiz um e-book para atingir o maior número de pessoas possível. E aí acabou sendo esse sucesso.

Em outubro de 2019, eu lancei na Amazon com o menor valor possível. Em 2020, eu publiquei em espanhol e depois disso uma editora de Madri comprou os direitos para uma versão impressa.

Capa do livro de Bruno — Reprodução.

Quando foi seu primeiro contato com UX Writing, como foi esse momento? E como você começou a se relacionar com profissionais da área?

Ao longo dos últimos 25 anos, eu tenho contato com o que chamo de “informação para mídia digital”. Pesquisando um tema para o meu mestrado, acabei “dando de cara” com o UX Writing. Nessa época, eu coordenava a equipe da Intranet da Petrobras e comecei a introduzir um pouco da área na empresa. Havia optado por um outro projeto de doutorado, mas Cristina me fez desistir e partir para o projeto do livro de UX Writing.

Em 2018, passei a coordenar a equipe de UX Writing da Oi. Em 2019, um pouco antes de lançar o livro, o Águino “me achou”, me convidou para participar do meetup São Paulo, eu entrei na lista do WhatsApp da comunidade e passei a conhecer o pessoal.

Mas o mais interessante é que o primeiro profissional de UX Writing que eu conheci foi o Breno Barreto, meu ex-aluno na FGV. Ele nem sabia que trabalhava com UX Writing, tive que explicar o que era. Hoje o Breno é uma das referências de Tech Writing no Brasil e é citado no início do meu livro. Nós dois organizamos o primeiro meetup de UX Writing do Rio de Janeiro. Legal como as coisas se encontram e evoluem.

Por que a disciplina de UX Writing ainda é concentrada no estado de São Paulo e na região sul/sudeste? Há pouca representação no centro-oeste e nordeste e no norte não há nada — segundo pesquisa da Camila Martins (que pode ser lida aqui).

É uma questão de Brasil, no geral. Sempre a região sul/sudeste “bomba” (economicamente). Isso não é só em digital, UX Writing, é em todas atividades econômicas, tirando alguns nichos. Mas por exemplo, no Nordeste, eu dou aula na CESAR School, que é um núcleo do Porto Digital, de Recife. Eu participei, como avaliador, da banca de mestrado do Willian Grilo.

Grilo me convidou para participar justamente por conta do trabalho de Design Conversacional, então tem muito a ver com UX Writing. É uma disciplina que está crescendo muito lá na CESAR School.

O Nordeste, com certeza, vem com toda força.

Continua…

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Ideias, descobertas, engajamento, transição. Um blog sobre UX Writing, Design, Comunicação, Música e outros assuntos instigantes. Por Felipe Madureira.